Formação continuada de professores: quem são os protagonistas deste processo?

No início de cada ano letivo, professores se reúnem para as tradicionais jornadas pedagógicas, momentos destinados à reflexão e ao planejamento do trabalho docente. No entanto, o que deveria ser um espaço de formação significativa muitas vezes se torna uma atividade desmotivadora. Em diversos contextos, educadores expressam frustração ao perceberem que essas jornadas não passam de eventos superficiais, onde palestrantes distantes da realidade escolar compartilham discursos prontos, sem conexão com os desafios concretos da sala de aula.
Esse cenário levanta as seguintes questões: (i) a formação continuada do professor está, de fato, cumprindo seu papel de aprimorar a prática docente? (ii) Quem realmente protagoniza a formação continuada do professor?
A formação continuada é um processo essencial para o desenvolvimento profissional dos professores, pois possibilita a atualização de conhecimentos e o aperfeiçoamento de práticas pedagógicas. No entanto, essa formação enfrenta inúmeros desafios, como a desconexão entre teoria e prática, a falta de envolvimento ativo dos professores e a ausência de políticas públicas efetivas que garantam o suporte necessário para a implementação de novas metodologias em sala de aula.
Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia (1996), enfatiza a importância da reflexão crítica na prática docente, destacando que ensinar exige compreender a realidade do educando e do contexto escolar. Para Freire, a formação continuada não pode ser um processo passivo e impositivo, mas deve ser construída com base no diálogo e na experiência dos próprios professores. A ausência dessa abordagem dialógica nas jornadas pedagógicas e demais ações formativas resulta em resistência por parte dos docentes, que não se enxergam como sujeitos ativos nesse processo.
A valorização das “pratas da casa”
Quando se fala em formação continuada, é comum que os sistemas de ensino convidem palestrantes renomados para ministrar formações, oficinas, workshops e palestras para os professores da rede. No início do ano, tenho participado de muitas dessas formações e observado vários colegas engajados em jornadas pedagógicas por todo o país.
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Sem dúvida, ouvir especialistas que pesquisam e publicam sobre temas educacionais é essencial. No entanto, o que considero realmente inspirador é ver os próprios professores à frente do processo formativo. Recentemente, presenciei alguns professores que conheço conduzindo formações em jornadas pedagógicas, ministrando palestras, cursos e oficinas.
São profissionais com anos de experiência em suas redes de ensino, que já participaram de inúmeras formações, estudaram e refletiram sobre diversas práticas pedagógicas e agora assumem a liderança na formação continuada de outros professores. Esse movimento é verdadeiramente inspirador, fortalecendo a docência como uma prática que valoriza a dimensão intelectual e investigativa do saber.
Quando o professor sai do anonimato da prática pedagógica e se reconhece como alguém que produz saber, ele experimenta um sentimento de realização e pertencimento. Esse reconhecimento não apenas valoriza seu trabalho, mas também fortalece sua identidade como professor.
Isso não significa que os professores que participam das formações sejam passivos ou inertes no processo. Pelo contrário, todo professor carrega dentro de si uma inquietude constante — é questionador, curioso, um investigador da realidade. O essencial, portanto, é garantir espaços de formação onde o professor possa transitar entre os papéis de “quem ensina” e “quem aprende”, vivenciando a troca como um movimento contínuo de crescimento.
Recentemente, um desses professores, que tem assumido a liderança nas formações de sua rede de ensino, compartilhou com entusiasmo em suas redes sociais: “Compartilhar conhecimentos é o que me renova”. Essa fala reflete como o ato de ensinar também revigora o próprio professor, mostrando que a troca de saberes é uma fonte de renovação e satisfação para quem está à frente do processo formativo, ratificando a ideia de Paulo Freire (1996, p. 12): “Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender.”
Às vezes, a melhor formação vem de dentro da própria escola. Convidar a professora Cristina, com sua ampla experiência em aprendizagem, o professor Paulo, que se destaca no cuidado com a saúde e o bem-estar dos alunos, ou a professora Luciana, exímia contadora de histórias na Educação Infantil, pode ser um grande achado para o desenvolvimento docente.
Esses profissionais trazem uma visão concreta da sala de aula, oferecendo reflexões e estratégias alinhadas à realidade escolar. Diferentemente de modelos engessados e generalistas, que muitas vezes partem apenas da teoria, essa troca valoriza quem realmente “pisa o chão da escola” e constrói conhecimento a partir da prática cotidiana.
Outro autor que contribui para essa discussão é António Nóvoa, em seu texto Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente (2017). Nóvoa argumenta que a profissionalização do professor depende da valorização de sua identidade e de sua participação na construção do conhecimento pedagógico. Para ele, a formação docente deve ser pautada na experiência coletiva e na colaboração entre os próprios professores, promovendo espaços onde possam compartilhar desafios, estratégias e soluções reais para os problemas enfrentados em sala de aula.
Fortalecer a comunidade docente e a formação continuada de professores
Diante dos desafios da formação docente, algumas possibilidades podem ser apontadas para tornar a formação continuada mais significativa. Uma delas é a implementação de metodologias formativas mais participativas, como grupos de estudo, comunidades de prática e mentorias entre professores. Essas abordagens permitem a troca de experiências e a construção coletiva do conhecimento, alinhando teoria e prática de maneira mais efetiva.
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Nesse sentido, as redes de ensino precisam conhecer profundamente o perfil de seus professores: quem são, quais formações possuem, o que publicam, o que escrevem, o que leem, quais experiências trazem. Compreender esse panorama permite a criação de uma comunidade docente forte, na qual os professores se reconhecem como protagonistas e enxergam no colega um parceiro de aprendizado.
Valorizar essas “pratas da casa” significa reconhecer que a formação contínua não precisa vir apenas de fora, mas pode e deve emergir do compartilhamento de saberes e experiências dentro da própria rede.
Por fim, é fundamental que a formação continuada seja vista não como uma obrigação burocrática, mas como um direito dos professores e um pilar para a qualidade da educação. Para isso, é necessário que os próprios docentes se posicionem como protagonistas desse processo, reivindicando formações que realmente contribuam para sua prática pedagógica.
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Somente assim será possível transformar as jornadas pedagógicas e demais ações formativas em espaços de verdadeiro crescimento profissional, onde a teoria e a prática dialoguem de forma produtiva e significativa.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, v. 47, nº 166, out./dez. 2017.
Minicurrículo da autora
Patrícia Rosas
Professora Adjunta do Departamento de Metodologia da Educação (DME) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atuando no Curso de Pedagogia. Pós-Doutora em Linguagem e Ensino (UFCG); Doutora em Linguística; Mestre em Linguagem e Ensino (UFCG); Graduada em Letras (UEPB) e Pedagogia (UNICESUMAR). Como professora da Educação Básica (2003-2023), criou o Projeto de Leitura e Escrita “Desengaveta Meu Texto” e a Revista Tertúlia. Esses projetos lhe renderam prêmios e indicações, como o Prêmio LED – Luz na Educação (2022) da Rede Globo e da Fundação Roberto Marinho; o Prêmio Melhores Programas de Incentivo à Leitura para Crianças e Jovens de todo o Brasil (2019), da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), além de três indicações como finalista do Prêmio Jabuti, Eixo Inovação, Categoria Fomento à Leitura (2018, 2019, 2021).
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